(...)Alice não gostou muito da aparência da criatura, mas, tendo concluído que era tão seguro ficar com ela quanto acompanhar aquela Rainha cruel, esperou.
O Grifo se sentou e esfregou os olhos; depois fitou a Rainha até que ela sumiu de vista; em seguida disse com um risinho satisfeito, meio para si mesmo, meio para Alice: "Que engraçado!"
"Onde está a graça?" perguntou Alice.
"Ora, nela", disse o Grifo. "É tudo fantasia dela: nunca executam ninguém. Vamos."
"Todo mundo aqui diz ' vamos!'" pensou Alice enquanto o seguia devagar. "Nunca recebi tanta ordem em toda a minha vida, nunca!"
Não tinham ido muito longe quando avistaram a Tartaruga Falsa à distância, sentada triste e solitária na saliência de uma pedra, e, ao se aproximarem, Alice pôde ouvi-la suspirar, como se tivesse o coração partido. Sentiu muita pena. "Qual é o problema dela?" perguntou. O Grifo respondeu, quase com as mesmas palavras de antes: "É tudo fantasia dela: não tem problema nenhum. Vamos!"
Aproximaram-se então da Tartaruga Falsa, que os fitou com grandes olhos marejados de lágrimas, mas não disse nada.
"Essa senhorita aqui", disse o Grifo, "precisa conhecer sua história, precisa mesmo."
"Eu lhe contarei", disse a Tartaruga Falsa numa voz profunda, cavernosa, "sentem-se os dois, e não digam uma palavra até eu terminar."
Sentaram-se então, e ninguém falou por alguns minutos. Alice pensou consigo: "Não vejo como ela pode terminar, se nem sequer começa." Mas esperou pacientemente.
"Antigamente", disse a Tartaruga Falsa com um suspiro profundo, "eu era uma Tartaruga de verdade."
Essas palavras foram seguidas por um silêncio muito longo, quebrado apenas por uma exclamação ocasional - "Hjcrrh!" - do Grifo e o soluçar constante e fundo da Tartaruga Falsa. Alice estava a ponto de se levantar e dizer "Muito obrigada, Sir, por sua interessante história", mas, como não conseguia deixar de acreditar que tinha de vir mais alguma coisa, ficou quieta e não disse nada.
"Quando éramos pequenos", a Tartaruga Falsa finalmente recomeçou, mais calma, embora ainda soluçãndo um pouquinho vez por outra, "ìamos à escola no mar. O meste era um Cágado velho... nós o chamávamos de Tartarruga."
"Por que o chamavam de Tartarruga, se ele não era uma?" Alice perguntou.
"Nós o chamávamos de Tartarruga porque tinha ... tanta ruga!" respondeu a Tartaruga, irritada; "realmente você é muito bronca!"
"Devia ter vergonha de fazer uma pergunta tão simples", acrescentou o Grifo; e em seguida os dois ficaram em silêncio, olhando para a pobre Alice, que teve vontade de se enfiar embaixo da terra. (...)
(Aventuras de Alice no pais das maravilhas, cap: A história da tartaruga falsa)